Na proporção de mil para milhões: a valorização da mulher no negócio futebol e no mundo corporativo

Postado por: Assessoria de Comunicação às 18/06/2019 - 19:21 Categoria: Destaque

Isnailda de Souza da Silva Gondim*

 

Mulheres jogam bola tão bem quanto os homens, conforme relatado em estudo de Julen Castellano, publicado na revista científica Human Movement Science1. Destaca o pesquisador que homens apresentam desempenho físico melhor, percorrem mais extensão do campo em metragem nos 90 minutos de partida, mas por outro lado também observa que as mulheres são equivalentes aos homens quando se trata de nível técnico.

Infere-se da pesquisa de Julen Castellano que no quesito competência mulheres tem igual rendimento e, ainda, infere-se que as mulheres deveriam ter tratamento igualitário e isonômico na evolução de carreira. Todavia, esse isonomia ou igualdade não se reflete no mundo do negócio do futebol, conforme se observa pelos Quadros 1 e 2.

Quadro 1. Os dez jogadores de futebol mais bem pagos do mundo, conforme time e valor em euro:

Jogador

Time atual

Salário anual incluindo, bônus e outras receitas como publicidade

em Euros (€)

1. Messi (ARGENTINA)

Barcelona

130 milhões

2. Cristiano Ronaldo

(PORTUGAL)

Juventus

113 milhões

3. Neymar (BRASIL)

Paris Sain-Germain

91,5 milhões

4. Griezmann (FRANÇA)

Atlético de Madri

44 milhões

5. Bale (REINO UNIDO)

Real Madrid

40,2 milhões

Fonte: Infomoney. https://www.infomoney.com.br/carreira/salarios/noticia/8084732/os20jogadoresdefutebolmaisbempagosdomundo

Quadro 2. As dez jogadoras de futebol mais bem pagas do mundo, conforme time e valor em euro:

Jogador

Time atual

Salário anual incluindo, bônus e outras receitas como publicidade

em Euros (€)

1. Marta (BRASIL)

Orlando Pride

44 mil

2. Ada Hegerberg (NORUEGA)

Lyon

40 mil

3. Carli Lhoyd (USA)

Sky Blue FC

33 mil

4. Alex Morgan (USA)

Orlando Pride

32 mil

5. Amandine Henry (FRANÇA)

Lyon

30 mil

Fonte: 90MIN. https://www.90min.com/ptBR/posts/6330170ascincojogadorasdefutebolmaisbempagasdomundo

Uma explicação para a diferença de benefícios é a visão de mercado sobre o futebol feminino como um negócio. Para Erich Beting, referência em marketing esportivo e fundador do site Máquina do Esporte, a comparação, no momento, chega a ser injusta. “A primeira ressalva a se fazer é que a gente está pegando um negócio centenário (futebol masculino) com algo que está começando agora a crescer. Acho que finalmente a gente está tendo um entendimento, até por força da Fifa, do futebol feminino como um negócio. A gente está vendo que tem público querendo consumir. Quando a gente olha marcas como a Nike e a Visa entrando no futebol feminino da Uefa porque as suas concorrentes estão no masculino, isso mostra que tem um caminho.

A gente vai começar a ver agora o início da transformação do futebol feminino”, disse ao blog Dibradoras2.

Os argumentos apresentados por Erich Beting são críveis e tem fundamento na teoria econômica de Adam Smith quando afirmou no seu livro A Mão Invisível que o pressuposto básico do desenvolvimento é o interesse.

Partindo dessa comparação de valores e do fundamento utilitário do interesse, as mulheres precisam equacionar seus interesses aos interesses do mercado e das grandes corporações para o fim de lutar pela ocupação dos espaços, para o fim de mitigar essa proporção de mil para milhões que ainda separam as realidades masculina e feminina.

Marta foi eleita 6 vezes consecutivas a melhor jogadora do mundo e maior artilheira em mundiais, fez mais gols do que o Pelé, e mesmo assim, o seu reconhecimento por mérito é irrefutável, mas as consequências práticas em valores de passe, negócios e propaganda são em proporções milionariamente inferiores.

Vivemos um momento histórico na última Copa do Mundo feminina onde mais de 1 milhão de ingressos foram vendidos, a expectativa de 1 bilhão de telespectadores para assistir a habilidade das mulheres em campo. Um verdadeiro divisor de águas capaz de aprofundar e espraiar a mulher no futebol como um bom negócio.

Com a copa do mundo feminina mais assistida conseguimos igualdade de reconhecimento, uma verdadeira evolução do futebol para as mulheres, mais por trás disso tudo, ainda vivemos uma triste realidade, a discrepância de valores em remuneração, a inferioridade de tratamento dado a mulher no mundo profissional e o baixo reconhecimento das grandes corporações quanto à retribuição de imagem. As mulheres são a melhor imagem a se expor, pois geralmente para conseguir êxito no mundo do futebol histórias de superação se repetem, e quando o êxito é atingido não há fatos que desabonem suas condutas, não há mídia negativa. A mulher quando tem êxito financeiro na vida busca a proteção da família e cuidado da prole e segue ascendentes.

A mulher cuida dos seus acima de tudo, principalmente acima de seus interesses.

As mulheres foram proibidas de jogar futebol até a década de 80 e o futebol feminino só começou a ter visibilidade em 2015, o caminho para ampliação desse horizonte é a assunção da mulher no mundo corporativo do futebol.

As mulheres sofrem ainda para ocupar lugares de comando corporativo na modalidade no Brasil. Primeira mulher a ocupar o cargo de técnica da seleção brasileira feminina de futebol, Emily Lima foi demitida em setembro de 2017 após ficar menos de um ano no cargo. A decisão revoltou muitas de suas subordinadas.

Quando se faz um comparativo com as demais profissões em que as mulheres ocupam posição de liderança, vemos que o caminho para a igualdade dos gêneros no mercado de trabalho ainda é longo. O desafio não está concentrado apenas na equiparação salarial, mas principalmente nas oportunidades de crescimento, desenvolvimento e respeito às mulheres.

De acordo com um relatório do Corporate Women Directors Internacional (CWDI), cerca de 50% das 100 maiores empresas latino-americanas não possuem nenhuma mulher em seu quadro diretivo. O Brasil é o país com mais companhias na lista, porém com apenas 6,3% de mulheres na diretoria.

Esse índice não condiz como fato de que as mulheres estudam mais que os homens. No Brasil, elas representam 60% dos graduados e detém 51% dos diplomas de pós-graduação. Com isso, o que falta é confiabilidade na capacidade e conhecimento das mulheres para que sejamos mais valorizadas como profissionais. Esses índices e fatores demonstram mais que nunca que a valorização da mulher é uma questão cultural, não se podendo olvidar da condição de que a mulher é vítima de preconceito por parte dos homens e também das próprias mulheres – necessitando de mais sororidade entre todas elas.

A mulher no Brasil sofre discriminação no trabalho, é vítima de comentários preconceituosos, tem suas habilidades questionadas em momentos de crise e, com isso, pode-se entender que há um importante trabalho de conscientização a ser feito, para que haja um mútuo reconhecimento, quer seja nas empresas, nos esportes, nos relacionamentos interpessoais, conjugais para que a mulher possa avançar ainda mais.

Assim, tomando como exemplo gritante o mundo do futebol, no mundo corporativo faz-se necessário, paixão, coragem e persistência para seguir, reafirmar constantemente os valores que nos fazem prosseguir na busca de uma sociedade mais igualitária e isonômica nas questões de gênero.

 

* Advogada Ativista em Direitos da Mulher. Presidente da Comissão da Mulher Advogada OAB/AC e Especialista em Direitos das Mulheres.

 

Referências:

  1. Sensêve B. Mulheres podem jogar futebol tão bem quanto os homens, diz estudo. 15/02/2014 10:00 h. Disponível em: https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2014/02/15/noticiassaude,192929/mulherespodemjogarfuteboltaobemquantooshomensdizestudo.shtml Acessado em: 16/06/2019

  2. Iasnogordski FU. Especialista explica diferença salarial entre homens e mulheres no futebol. 02 Abr 2019. Disponível em: https://www.90min.com/ptBR/posts/6330170ascincojogadorasdefutebolmaisbempagasdomundo. Acessado em: 16/06/2019

  3. Smith A. A mão invisível. Editora Companhia das Letras, 2013.

  4. Acessado em 16/06/2019:

https://revistamarieclaire.globo.com/Comportamento/noticia/2019/06/copadomundofemininacomo-o-feminismotemmudado-o-futeboldasmulheres.html

  1. Acessado em 16/06/2019: https://www.bbc.com/portuguese/geral48550090

  2. Acessado em 16/06/2019: www.roberthalf.com.br