A Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, a popularmente conhecida LEI MARIA DA PENHA, é considerada um marco do ordenamento jurídico brasileiro na luta contra a violência doméstica e familiar contra a mulher, por trazer importantes e eficazes instrumentos de combate à calamidade que aflige um gigantesco número de mulheres brasileiras.
Mas ainda assim, com uma legislação tão completa e de conhecimento disseminado perante a sociedade, qual a razão que explica porque tantas mulheres ainda se submetem às agressões físicas, morais e psicológicas?
Há quem justifique tal comportamento alegando uma cultura de submissão, outros apontam a dependência psicológica e patrimonial e há até quem diga que se trata de um inverossímil desejo de permanência no estado de violência.
Em verdade, a violência doméstica é mazela social extremamente complexa, cujo não raro silêncio da vítima comporta uma série de fatores muito além e mais profundos que a simples e alegada omissão na busca de ajuda por parte da mulher atingida por esta celeuma.
Estudos apontam que a mulher não se desincompatibiliza da gravosa situação em face dos aspectos emocionais que envolvem o chamado ciclo da violência.
A psicóloga americana Lenore Walker, a partir de um estudo em que ouviu 1500 mulheres em situação de violência doméstica diagnosticou um comportamento padrão que denominou “Ciclo de Violência”[1], dividindo-o em três fases:
Essas fases, cíclicas e sucessivas, em intervalos progressivamente reduzidos, quando não obstadas, geralmente se agravam a ponto de desencadear desfechos trágicos, como o feminicídio, que é o assassinato da mulher pelo tão só fato do gênero ou o seu suicídio, motivado pela violência acometida ao longo do tempo.
É inegável que a grande dificuldade da mulher para desgarrar-se desse ciclo violento dá-se pelo envolvente e forte vínculo emocional que mantém com agressor, sem descurar ainda, que numa sociedade machista e patriarcal muitas vezes ainda prepondera a dependência financeira perante o agressor, o que agrava mais ainda a tomada de decisão pelo desvencilhar.
Até o ato de denunciar encontra vultosos obstáculos, como os fatores psicossomáticos da vergonha à exposição da intimidade, o receio do preconceito social e até o potencial abandono de amigos e familiares, conforme comprova a pesquisa realizada em março de 2018, pelo OMV/DataSenado, que relata os principais motivos que impedem as denúncias e a quebra do ciclo da violência[2]:
Destaca-se, ainda, que apesar da previsão protetiva da Lei Maria da Penha sua efetividade social depende de uma rede de atendimento sistemática, sem repetições de atos desnecessários ou sobreposições, a fim de evitar a revitimização e sofrimento da vítima, com violação de direitos humanos e fundamentais da mulher, trazendo à luz uma discussão profunda sobre o processo e o devido processo legal nos casos de violência doméstica, pois a cada novo depoimento sobre as agressões físicas, morais e danos sofridos, afloram na vítima sentimentos que lhes causam malefícios psicológicos, o que se apresenta aético e injusto do ponto de vista axiológico.
Assim, a Lei Maria da Penha além de prever importantes mecanismos de proteção, bem como para assegurar a imputação de pena ao agressor, estabelece ainda diretrizes gerais para a instituição de políticas públicas abrangentes com vistas ao enfrentamento da violência contra mulheres.
Porém, segundo o entendimento formulado no X Fórum FONAVID de 2018 e por outras instituições que lidam com o assunto, referidas políticas públicas necessitam de adequações para alcançar maior efetividade das medidas judiciais e dos princípios e sanções previstos em leis, das quais podemos citar:
No Brasil, pelo menos 16 estados, além do Distrito Federal já utilizam o método de constelação familiar para resolução de conflitos, atendendo a Resolução 125/2010 do CNJ. Em Mato Grosso desde 2016 a técnica começou a ser utilizada, com expansão de oficinas para pais e filhos, direito sistêmico e um Núcleo de Justiça Restaurativa.
Em Rio Branco a VEPMA há mais de 05 meses vem executando um trabalho de grupo de Grupo de Responsabilização e Reflexão, reunindo atores de violência doméstica, cujo objetivo é evitar a reincidência. Estados como o Rio Grande do Norte adotaram o programa de Grupos Reflexivos e em 03 (três) anos de funcionamento, atenderam mais de 300 homens e mantiveram o índice de reincidência zero.[5]
Pelo fato da violência doméstica ser mal indistinto e generalizado, atingindo mulheres de todas as classes sociais, com sérias consequências à família e à sociedade, deve ser enfrentada através de políticas públicas sólidas de formação e informação, fazendo-se imperiosa a inovação constante das ações previstas na Lei Maria da Penha.
O fortalecimento da rede de assistência ou de acolhimento deve ser considerado pauta social, de ação conjunta de cidadãos, instituições e da sociedade civil organizada, com vistas ao amadurecimento social e concretização das atuações preventivas e sancionatórias de enfrentamento e redução da violência contra a mulher.
[1] (https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/conhecer-direitos-e-ter-rede-de-apoio-sao-pontos-de-partida-para-denunciar-agressao-e-interromper-ciclo-de-violencia)
[2] (https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/conhecer-direitos-e-ter-rede-de-apoio-sao-pontos-de-partida-para-denunciar-agressao-e-interromper-ciclo-de-violencia)
[3] (https://www.tjac.jus.br/noticias/magistrada-do-acre-participa-do-x-forum-nacional-de-juizas-e-juizes-de-violencia-domestica-e-familiar-contra-mulher/#more-98956) Último acesso em: 16/12/2018 às 21:08.
(http://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/imprensa/cartilhas/Guia_avaliacao_risco_sistema_justica_MPDFT.pdf) Último acesso em:18/12/2018
[4] (http://cnj.jus.br/noticias/cnj/77305-iniciativa-pioneira-evitou-o-assassinato-de-8568-mulheres-no-rs) Último acesso em: 16/12/2018 às 20:58.
[5] (https://www12.senado.leg.br/emdiscussao/edicoes/saneamento- basico/violencia-contra-a-mulher/tratar-o-agressor-solucao-inovadora) Último acesso em: 17/12/2018 às 11:25.
(http://www.amb.com.br/constelacao-familiar-tecnica-ajuda-romper-ciclo-de-violencia-domestica/?doing_wp_cron=1545068938.8515210151672363281250) Último acesso em: 17/12/2018 às 13:14.
Autoras:
1 – Isnailda de Souza da Silva Gondim
Advogada OAB/AC 4420
Especialista em Direitos da Mulher
Presidente da Comissão dos Direitos da Mulher ABA/AC
Membro da Comissão da Mulher Advogada OAB/AC
2 – Socorro Rodrigues
Advogada OAB/AC 746
Presidente da Comissão da Mulher Advogada OAB/AC