Por Alberto Tapeocy*
O governo Bolsonaro apresentou esses dias, por meio do Ministério da Economia, uma Proposta de Emenda à Constituição Federal sob número 108, tendo como um de seus principais objetivos a retirada da obrigatoriedade de inscrição dos profissionais liberais nos seus respectivos conselhos de classe.
Além disso, transforma esses órgãos em entidades privadas. Assim, estariam limitados quanto a cobrança das anuidades, que são tributos pagos pelos profissionais a essas entidades, para que elas possam exercer seu papel.
Os argumentos dessa PEC são a desburocratização e a criação de um ambiente de liberdade econômica, para promoção do crescimento do país.
Entretanto, aqui se deve invocar um adágio muito popular: “liberdade não é libertinagem”.
Ao se retirar a obrigatoriedade de inscrição nos quadros dos conselhos, o que se decretará é a falência por asfixia dessas entidades, uma vez que ninguém se manterá filiado, evitando-se pagar os tributos hoje cobrados. Com essa asfixia, identifico ao menos duas atividades que serão eliminadas, caso essa PEC seja aprovada.
A primeira é a fiscalização técnica. Os conselhos profissionais, incluídos aí a Ordem dos Advogados do Brasil, os Conselhos de Medicina ou de Engenharia e Arquitetura, etc., são responsáveis pelo controle e fiscalização das atividades exercidas pelos profissionais inscritos em seus quadros, evitando-se que pessoas despreparadas causem prejuízos pela inabilidade no exercício de seus ofícios. Basta pensar no caso de um médico que prescreve um medicamento totalmente inadequado para um paciente, causando-lhe sua morte, num edifício que cai por imperícia do engenheiro responsável pela obra ou, ainda, no advogado que causa prejuízo de milhões a um cliente porque não soube manejar os instrumentos processuais adequados. É a própria sociedade que se busca proteger.
Essas entidades também são responsáveis por denunciar o exercício ilegal da profissão por pessoas sem a formação adequada. Destaco, aqui, o papel da OAB, que aplica regularmente o Exame da Ordem, cuja dificuldade é muito conhecida entre os egressos de nossas faculdades, mas que serve de filtro mínimo, diante da proliferação descontrolada de cursos jurídicos pelo Brasil afora.
A segunda atividade está relacionada à fiscalização ética. Não é incomum termos notícias de maus profissionais que violam seus deveres éticos de sigilo, que aplicam técnicas altamente questionáveis perante a comunidade científica ou que exercem uma competitividade predatória que causa o aviltamento da dignidade dos demais profissionais. São esses conselhos que servem como instância administrativa de controle e punição desses profissionais.
Cabe, ainda, um novo destaque à OAB. Além desses que foram mencionados, a Ordem exerce um papel de defesa da ordem democrática, das liberdades constitucionais e das instituições do país, bem como participou dos principais acontecimentos históricos da nação nas últimas décadas. A Lei da Ficha Limpa, a criminalização do Caixa 2, a participação no impeachment de 2 ex-presidentes, a redemocratização do país, etc. Qualquer grande acontecimento histórico do Brasil, do ponto de vista político e jurídico, a OAB se fez presente.
A PEC 108 é, portanto, um claro ataque a um sistema que serve como rede protetiva de toda a sociedade. A liberdade que ela busca causará um ambiente de descontrole, com o exercício de profissões extremamente importantes por pessoas sem capacidade ou sem respeito por seus deveres éticos, além de eliminar instituições que hoje servem, para usar uma expressão da OAB Nacional, de “anteparo à força desproporcional do Estado e dos grupos detentores de poder efetivo contra o cidadão comum, individual ou coletivamente”.
*Alberto Tapeocy é advogado, procurador do Estado, conselheiro seccional da OAB/AC e membro da Escola Superior da Advocacia.