A Resolução nº 1.664/2003 do Conselho Federal de Medicina regula os procedimentos médico-cirúrgicos para os casos de intersexualidade que, segundo a Resolução, é considerada como “anomalia de diferenciação sexual” e, portanto, uma “urgência biológica e social”. Também é conhecido como “genitália ambígua” o diagnóstico das pessoas que nascem com dois sexos (intersexo). Em alguns casos, a criança possui severas complicações de saúde devido às anomalias, colocando em perigo a vida da mesma. Nesses casos, as cirurgias genitais podem ser essenciais para salvar a vida da criança.
A questão que proponho para reflexão é intrigante e se baseia na análise entre os direitos da criança e a permissão dos pais para a realização das cirurgias genitais em recém-nascidos nos casos de genitália ambígua ou intersexo em que não há o risco de morte para a criança. Esse procedimento não possui consenso na literatura internacional quanto à necessidade de cirurgias imediatas se não há perigo vital para a criança. Entretanto, para satisfazer, em alguns casos, as expectativas da família, os pais autorizam as cirurgias, sem ao menos levar em consideração os direitos da criança. O que pode levar, ao passar do tempo, a criança a ter um gênero biológico discordante do psicossocial.
Os direitos da personalidade, da autodeterminação, da liberdade e da dignidade da criança estão sendo violados pelos pais, neste caso supracitado? No meu entender há severas violações de direitos humanos quando os pais decidem pelas cirurgias genitais que podem acarretar em graves males para a saúde mental e física das crianças que acabaram de nascer. Em se tratando de lide que envolva crianças e adolescentes, a regra da oitiva dos mesmos é medida que se impõe, segundo salienta a Convenção Interamericana de Direitos Humanos que, diga-se de passagem, o Brasil é signatário.
Portanto, os procedimentos médicos realizados em recém-nascidos que são diagnosticados como intersexo, sem risco de morte, podem se constituir como violadores de direitos da personalidade da criança, pois, não há cidadania sem dignidade humana. O desenvolvimento psicossocial da criança precisa ser completado para que ela mesma tome a decisão que mais lhe trouxer dignidade, com base no preceito constitucional da liberdade e da autodeterminação.
Charles Brasil, presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB/Acre, mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), advogado e professor.